Alguma vez você já saiu de casa com a sensação de que alguma coisa diferente vai te acontecer no trajeto? Pois é, isso me acontece direto. Em uma dessas, fui visitar um grande amigo, vizinho de bairro que já não encontrava há algumas semanas. No dito trajeto, o inesperado, ou melhor, a coisa diferente que minha intuição já aguardava, ocorreu nos primeiros passos do caminho.
Ainda próximo de casa, passei por um colégio, fui cercado por um grupo de crianças aparentando seus oito ou nove anos de idade. Estavam todas muito empolgadas com alguma coisa, falavam todas ao mesmo tempo e eu não conseguia decifrar uma só palavra. Portanto, pra acabar com a algazarra, mirei uma nos olhos e fiz dela o alvo da minha impaciência. Fechei a expressão e gritei: __ Cala a boca! Tadinha começou a chorar. Me desculpei de imediato e arrependido pedi para que falassem um de cada vez, agora o que me atrapalhava o entendimento era o soluço do coitado que ainda chorava de susto.
Uma menininha muito frágil e simpática, explicou-me que a turma acabara de sair da aula de ciências e a tia Telma mandou entrevistar pessoas na rua com a seguinte pergunta: Que animal você gostaria de ser ? E por quê? A resposta precisava ser escrita num pedaço de papel junto a um comentário de justificativa, e estes seriam sorteados. Assim o animal que fosse sorteado, seria homenageado, com as crianças fantasiando-se dele no dia da festinha.
O menino chorão fungou o nariz, olhou para mim com os olhos vermelhos, e lacrimejando disse: __ Ajuda aí tio, é pra semana da natureza, sniff...
Nossa... Aquilo me cortou o coração. Eu estava com um pouco de pressa, mas como primeiro dos entrevistados não podia recusar-me de forma que destruísse a tal "semana da natureza" daquelas mais ou menos 30 crianças. Aliás, era só escrever o nome do bicho e dizer por quê eu queria ser aquele bicho?
Pois bem, aí que está, tratando-se de escrever, acabei me empolgando na resposta.
Semana da Natureza:
Pergunta:
Que animal você gostaria de ser ? E por quê?
Resposta:
“Acredito que a maioria das pessoas dirão, águia, leão, tigre ou qualquer outro animal capaz de expressar superioridade. Tenho mania de diferir das coisas quase normais e corriqueiras.
Por isso tia Telma, para o seu provável espanto, digo com a devida certeza que o urubus são aves admiráveis. E se pudesse, com todo prazer seria um deles. Por favor não os ache nojentos, realmente não são dos mais cheirosos, mas olhe pelo lado bom, além de colaborarem um tanto com o meio ambiente, há também um tipo poético na maneira em que se comportam. Os urubus tem classe e graciosidade para voar, quando alcançam as correntes de vento planam por horas sob as nuvens, por serem profundamente solitários esbanjam humildade, porém sentem-se excluídos com tanta descriminação.
Por mais que tocá-los seja crime, a desigualdade com que empregam sua espécie exemplifica o racismo entre a humanidade. Não me acharia um animal bonito se fosse feroz, rei da selva, predador ou coisa assim. Menos ainda se tivesse um canto afiado, penas reluzentes de cores chamativas e passasse meus dias de sol preso numa gaiola. Prefiro ser um urubu, ninguém prende, livre o dia inteiro, comendo minha carniçinha vez ou outra, sem ter que cantar pra alguém ouvir ou matar para viver.”
Resposta escrita, dobrei o papel em quatro partes e depositei em uma urna de cartolina. Ficaria contente caso minha resposta fosse sorteada. Já livre da entrevista, imaginei todas àquelas crianças vestidas de urubuzinhos para comemorar a “semana da natureza” em homenagem a minha resposta. Ri bastante.
Thiago Sicuro
quarta-feira, 27 de agosto de 2008
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