Algumas vezes fica impossível da gente tentar esquecer que é pobre. Um dia desses por exemplo, cheguei em casa depois de um daqueles dias longos e ingratos, desejando um banho com toda força de uma alma cansada. Arranquei o cinto puxando-o com uma das mãos enquanto a outra desabotoava com pressa a camisa suada, arremessei distante os sapatos usando o impulso feito com os pés, um para cada lado, não há sensação melhor que essa para quem quer esquecer que viveu um dia ruim.
Por fim, já munido de roupas limpas, toalha seca e uma cueca cheirosa, dirigi-me com pressa ao banheiro, sem mesmo dar boa noite aos que presenciaram minha passagem de entrada pela sala, já que não há outra porta que leve ao único banheiro da casa. Após uns quase trinta segundos tentando trancar a porta do banheiro, que além de sanfonada, estava emperrada, empenada, depenada e desalinhada, consegui um lugarzinho debaixo do chuveiro para tomar meu tão esperado banho. Antes disso, o aguardado e tradicional choque do registro, que por um momento breve me fez esquecer da água gelada que caíra lenta e pingante.
Ensaboa pra cá, lava pra lá, e como todo ser humano que se julgue normal, por mais que eu conheça cada quadrado de azulejo do banheiro, inicio um processo de reparação do ambiente, onde observo ao lado do espelho gasto, duas calcinhas molhadas, uma amarela e outra marrom (ou que um dia já foi branca), provavelmente uma de propriedade da minha irmã e outra de uma assídua amiga freqüentadora de minha residência, já que os tamanhos eram diferentes. Mais ao lado, na prateleira de plástico, um outro sabonete, este bem encabelado, e uma pasta de dentes apertada bem no meio, que raiva isso me dá.
Esfrega por cima, enxágua por baixo, e lá vêm o grito maternal alertando o fim do banho: Sááááái daí garoto que seu pai tá quase se cagaaaaaando!!! Agora, já não mais apressado e sim assustado com uma possível tragédia fecal, sem hesitar lancei-me de box à fora. Tentando descolar da bunda a cortina de plástico molhada, acabei deixando a toalha cair numa poça d’água, e o que antes era seco, agora se faz encharcado, molhando ainda mais um corpo que só queria descanso.
Finalmente fora do banheiro, encontro o desodorante sobre a mesa da cozinha, ou creme de suvaco como diz meu irmão. Aplico uma leve camada debaixo dos braços e sigo para cama com as axilas dominadas pelo cheiro hipnótico da alfazema.
Deitei, nesse instante meu corpo demasiado pela dor lombar, me concede um alivio inexplicável por palavras que conheço. Ajeito o travesseiro, fecho os olhos, e ouço vozes. Pergunto ao meu eu: __Ué, ainda nem dormi e já estou sonhando? Meu eu responde: __ Não, é sua irmã, uma amiga e uma amiga da amiga dela conversando.
Numa hora dessas a gente tenta desconsiderar pra dormir logo, mas é impossível. Pior de tudo que o papo nem era cabeça. Diziam: __ Cara, minha menstruação jorra. __ Hum, a minha sangra de pingar... Penso eu: Ainda bem que hoje vou dormir sem jantar.
Encolhi-me no cobertor e devagarzinho as vozes foram sumindo, sumindo, sumindo, até que adormeci.
Naquela noite sonhei que era rico, mas nem era tão feliz. Acordei e percebi que a pobreza vem acompanhada de improvisos, criatividade e além de tudo, muito bom humor. O pobre é assim mesmo, pra tudo dá-se um jeito, nada é perdido, tudo é aproveitado, vive apenas com a seriedade necessária. Já dizia um antigo ditado feito aos pobres: Pra que levar a vida a sério se a gente nasceu de uma gozada?
Thiago Sicuro
sábado, 5 de julho de 2008
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