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sábado, 3 de outubro de 2009

ESCADA ROLANTE

Entrei numa dessas gigantes lojas de roupas pra comprar uma sunga e tive visões que me fizeram refletir como nunca fizera antes. Depois de escolher a peça que cobriria minhas partes no verão que se aproxima, mirei uma das filas do caixa e lá fiquei por longos minutos. De frente para essa fila onde tinha acabado de contar trinta e seis pessoas a serem atendidas, havia uma escada rolante, que rolava de cima para baixo trazendo pessoas do segundo para o primeiro andar.
Percebi que nao demoraria menos de quarenta minutos pra chegar minha vez e buscando algo que me tomasse esse tempo resolvi observar as pessoas que desciam escada abaixo diante de mim.
Pra começar, desceram dois "meninos" funcionários da dita loja onde estávamos, os dois usavam cabelos arrepiados, emplastados de gel e vestiam calça preta modelo social, difícil era saber qual delas estava mais apertada. E com um estilo todo fashion de ser, passaram por mim coxixando alguma coisa sobre um tal de Rogério.
Como o fluxo de pessoas descendo estava muito baixo, alguns minutos depois desceu uma senhora com um jeito de religiosa fervorosa, vestia uma saia longa que cobria os tornozelos e uma blusa de crochê de tom azulado, no pescoço um cachecol preto e no rosto óculos de grau fundo de garrafa dos maiores que já tinha visto até aquele dia. A senhora falava ao celular e a impressão de religiosa fervorosa só me durou até ela gritar um sonoro "puta que o pariu" que chamou atenção de toda a fila.
Foi-se a senhora desbocada sumindo de vista, e logo atrás dela um homem aparentando meia idade, baixinho, magro, cabeça chata, e olhos arredondados. Usava daquelas barbas modeladas por um barbeiro que acabou de fumar maconha e viajou nos traços... Imagine uma pessoa sem estilo, todo errado, era ele! Sabe aquelas calças manchadas que contém um bolso à cada centimetro quadrado? Ele estava com uma dessas. Sabe aquela blusa tão estampada que chega embassar a vista de quem insiste em olhar por mais de um instante? Ele estava com uma dessas. E sabe aquelas mochilas jeans que parecem ser feitas com tecido de calças desmanchadas? Ele tinha uma dessas, e segurava sobre um dos ombros. E pra terminar logo com ele (pois atrás dele vem mais). Sabe aquele sapatinho preto reluzente, brilhoso, espelhado? Nossa senhora, ele calçava um par daquilo... Ô paraibinha estranho!
E no rolar da escadaria lá vem um casal de roqueiros. Ela: Branca, cabelos pretos, unhas pretas, roupa preta, maquiagem preta, mochila preta. Segurava em uma das mãos um estranho e diabólico urso de pelúcia, preciso dizer a cor? PRETO!!!! Ele: Preto, e o resto das coisas também... Nossa, que casal bizarro... Depois de meia noite em frente ao cemitério, não há quem não corra de bater os calcanhares na bunda.
Parece estar descendo alguém normal, loiro, alto, forte, terno e gravata, pasta social à tira-colo, e sem esperar o deslize apressa o passo mesmo sobre a escada rolante, nesse instante olho de relance para o lado e vejo os dois ditos funcionários coxixando novamente, agora sobre o cidadão que descia a escadaria. Outro funcionário que parecia ser o supervisor os chamou ríspidamente a atenção, mas assim que seguiu os olhos deles e se deparou com o loiro, perdeu a fala e ficou a apreciar, pois pra minha pseudosurpresa, também era viado.
Com o aumento do fluxo de pessoas escada abaixo, passaram-se senhores, crianças, bombados, periguetes, pagodeiros, madames, obesos mórbidos, gente sem graça, gente engraçada, maridos cheios de sacolas e com cara de putos da vida, esposas revirando a carteira em busca de um cartão de crédito que ainda tivesse limite, entre tantas outras espécies.
Quase uma hora depois, despertei do mundo da obsevação para enfim pagar minha sunga. E ao botar a mão no bolso, percebi que havia esquecido a carteira no carro. Sem dinheiro, sem documentos e sem sunga, me restou apenas aceitar que estive ali por cinquenta minutos simplesmente para aprender sobre a riqueza das diferenças e o poder que elas tem em nos fazer refém do preconceito.
Portanto, cada um com suas diferenças, pois ser diferente é normal. Burro fui eu em esquecer a carteira quando mais precisei dela.


Thiago Sicuro.